Ai que saudades do cheiro das
sardinhas no ar. Ai que são as que sabem melhor, assim deitadas em cima de uma
fatia de broa para absorver o molho. Que triste que é este ano não haver cerveja
a verter dos copos cambaleantes e xixis furtivos em becos ou entre automóveis,
não é?
Pois, para mim, não. Fiz máquinas
de roupa sucessivas. Estendi os lençóis na varanda e, quando secaram,
continuavam a cheirar a detergente e amaciador e espalhavam campos de flores
pela casa. Nada de odores malignos de grelhas a ambientarem os compartimentos. Nada
de pivete a urinol aqui na rua, nem copos de plástico na entrada da porta. E a
broa, só engorda.
Sentem falta de manjericos cheirosos
com quadras populares, das multidões nas ruas estreitas, das luzes dos arraiais
e dos balões a dançarem na brisa nocturna?
Pois eu não. Os manjericos são
plantinhas fraquinhas e cheias de caprichos: só se podem regar ao luar, só se
podem cheirar com a mão e secam ainda antes do mês acabar. Quem não gosta de
descer a Bica de aperto em aperto sem poisar os pés no chão? E que dizer
daquelas luzes irritantes e frouxas que não permitem distinguir os ébrios dos
sóbrios? E os balões amolgados soam a papel engelhado.
Sentem falta das marchas
populares? Das cores, das roupas, dos brilhos e das marchinhas a rimar com
Lisboa e com o Tejo?
Pois eu não. Horas de espera na
Avenida para acabar sempre atrás de alguém muito alto. Infinitas transmissões
televisivas e marchantes com coisas estranhas na cabeça e nas saias. A minha
marcha é mais linda do que a tua. Não é? Confirmo amanhã no telejornal porque
agora não oiço nada.
Sentem falta das barraquinhas,
das bancadas mal-amanhadas, das imperiais fresquinhas, de gente alegre, dos
bailaricos, de sorrisos abertos pelo álcool, de ruas a transbordar de alegria,
do Verão a chegar e modinhas pimba até o sol nascer? Sentem falta de ir com a amiga
querida deitar moedas à estátua do Santo António e pedir desejos, de descer da
Cerca Moura ao Campo das Cebolas e encontrar amigos a cada passo?
Pois eu não. Eu prefiro um dia
igual aos outros. Desbotado, limpo e silencioso. Este tom asséptico que a
cidade ganhou só traz aquela beleza triste que apela à escrita de letras de
fados. E quem prefere sol e sardinhas a isto? Pois eu não.
With a little help from my friends.