domingo, 13 de dezembro de 2020

Das circunstâncias.


 

Nunca tive jeito para conversas de circunstância. Esforço-me sempre demais para evitar que o silêncio abalroe o diálogo. Quando ele chega, sinto que tenho obrigação de resolver aquele desconforto com rapidez.

Dantes, quando a conversa chegava ao limite do «E esta chuva que nunca mais passa?», começava a suar e a procura mental de assuntos comuns com o meu interlocutor disparava em várias direcções. O que é que eu sei da vida desta pessoa que posso aqui introduzir logo a seguir. Ou, com mais frequência, que desculpa é que eu tenho para sair daqui a correr assim que responder: «Já se sabe, é o tempo dela.»

 

O que os filósofos, os sociólogos, os cientistas e os optimistas, que bem se esforçam para descobrir as mudanças positivas que a pandemia nos pode trazer, ainda não ajuizaram é que a verdadeira revolução está nas conversas sobre o tempo. Deixámos de empatar encontros ocasionais com canícula ou pluviosidade. Os meteorologistas que deixem de dar nomes a tempestades e depressões. O verdadeiro furacão das conversas chama-se COVID.

 

A pandemia trouxe possibilidades quase infinitas, fazendo com que mutismos súbitos se transformem em amenas cavaqueiras. O difícil é escolher. Podemos começar por nos mostrar atenciosos e perguntar se a saúde vai bem e sem sustos. Daí a falar sobre os testes é um saltinho. Custou, não custou. Chorou, não chorou. Um cheirinho de subida do número de contaminados, transportes públicos, teletrabalho, economia, restaurantes e, para terminar com ânimo, a vacina. E está uma tarde bem passada. Até um dia destes que, como bem sabemos, será o dia em que nos voltarmos a encontrar por acaso.

 

Se, depois de nos safarmos com distinção, o nosso interlocutor avançar, entusiasmado porque afinal tínhamos muitos assuntos para pôr em dia, com um cafezinho em breve ou, quem sabe, um jantarinho, eis que acontece magia de novo. Bem que gostávamos, mas, já se sabe, há que recolher. Não é por mim, é por ti. Temos que nos proteger uns aos outros e o melhor é não arriscar. Mas, quando isto tudo passar, é certo que marcamos qualquer coisa. Vamos falando. Quem é vivo sempre desaparece.

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