Eram treze horas e três minutos
quando virei a esquina que dobra do largo para a minha rua. Os dois primeiros
edifícios de cada um dos lados desta rua onde eu moro são, desde há muitos
anos, ruínas. De um lado, os falidos e duas vezes ardidos Armazéns do Conde
Barão. Com as entradas todas tapadas com tijolos, servem de suporte a cartazes
que anunciam filmes mais a dar para o europeu e independente, exposições mais a
dar para o alternativo e algumas palavras de ordem rabiscadas nos espaços que
sobram.
Do outro lado, o decadente e
também entijolado Palácio do Conde-Barão. A diversidade de nomes não é muito
grande aqui na zona. Mais se comprova se vos revelar que o largo a que me
refiro no início se chama Largo do Conde-Barão. No palácio não se colam
cartazes. Deverá existir entre os profissionais de colagem algum código
deontológico que não lhes permite esfregar cola debalde em pedras de lioz. Já
os profissionais do rabisco, uma espécie notoriamente menos preocupada com a
preservação da beleza mesmo que em declínio, não se preocupam assim tanto.
Eram treze horas e três minutos
quando me encontrei desabrigada e sozinha entre estes dois edifícios ocos.
Fiquei ali, sem conseguir dar mais passos, a encarar os ausentes. Nem
movimento, nem som. Moro aqui há muitos anos. No princípio esta rua metia medo
por ser escura e só ter prédios velhos, motivo de conversa séria da minha mãe sobre
não ser um bom sítio para viver, depois foi ficando cheia, negócios novos,
turistas e até cafés que servem tostas de abacate e meias-de-leite com nomes
italianos e desenhos na espuma. Porém, a não ser nos tempos em que se podia
regressar a casa a altíssimas horas da noite, nunca a tinha assim encontrado.
Não se via ninguém. Nem sequer lá ao fundo onde a rua cruza com outras ruas
mais movimentadas. Foram só alguns segundos. Mas foram os suficientes para entender
que, desta vez, veio mesmo mal ao mundo.
Neste ano, em que tudo correu
como o inesperado, a minha rua vazia a um sábado à hora de almoço não é um
fenómeno digno de assunto, é só um detalhe sem interesse para a história que se
contará no futuro. Mas é o detalhe que me eriçou os pelos dos braços e fez com
que me caíssem algumas páginas de poesia barata em cima.
Tive logo ali a certeza de que nunca
esqueceria aquele momento curto e comum nos dias que passam. Recolher
obrigatório, rua vazia. Contudo era uma imagem nunca vista e guardada para
sempre no meu álbum mental. Aí e no álbum de fotografias do meu telemóvel. Como
todos sabemos, há uma pandemia mais antiga entre nós. É o vírus fotográfico. Se
não fotografarmos, não aconteceu. Assim, apressei-me a arquivá-la entre as 7 488
imagens inesquecíveis que trago na mala. Eram treze horas e três minutos.
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