«Will you recognize me?
Call my name or walk on by»
Simple Minds, Don't You (Forget About Me)
Quem nunca fingiu que não viu alguém conhecido na rua que atire a primeira pedra. Foca-se o olhar num ponto imaginário, jamais se desvia e desaparecemos do campo de visão do outro o mais depressa que conseguimos.
Quem nunca percebeu que alguém fingiu que não o viu na rua, ficou agradecido e até ajudou, focando o olhar num ponto imaginário, que atire uma pedra também.
Esses tempos terminaram. As máscaras vieram acabar com momentos embaraçosos e com algumas frases clássicas. «Passou por mim e fingiu que não me viu» e «Mudou de passeio só para não me falar» vão sair de circulação.
Com a cara tapada e com as expressões bloqueadas, quem precisa de disfarçar? Até podemos olhar nos olhos e ficar em silêncio. E se o outro nos vier pedir batatinhas, podemos sempre dizer que não o estávamos a reconhecer. A culpa não é nossa, é deste pedaço palerma de pano, até parece que nos tolda os sentidos.
Dá uma sensação de liberdade tão boa não ter que cumprimentar o vizinho do 4.º dto. e ficar duas horas a ouvi-lo queixar-se das infiltrações ou escapar àquela conversa chata que vai acabar invariável e tragicamente num «Quando jantamos?», não dá?
Só que não. As máscaras trazem distâncias e dúvidas. Será que conheço? Será que é da televisão ou trabalha comigo? Aqueles olhos não me são estranhos. Diria que está a sorrir-me, mas pode ser só miopia. Tenho quase a certeza que andei com ela no Liceu, está mais gordinha. Tenho quase a certeza que é ela. Quase. Se não ia falar-lhe.
Resolvi pois que não vou passar por amigos sem os reconhecer. Quem me fixar por mais de três segundos leva com o meu olá e com um sorriso invisível por trás do pano palerma. Pelo sim, pelo não, para não deixar que os outros se tornem translúcidos, vou andar pela rua a dizer adeus a desconhecidos.
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