Todos os anos é uma surpresa. Numa manhã de uma quinta-feira de Maio a convocar Verão e manga-curta, saio à rua e por todo o lado andam pessoas a vender ramos de flores camponesas. Lisboa amanhece enfeitada de ramalhetes dourados com salpicos vermelhos.
Dia da Espiga. Em muitas cidades do Ribatejo, do Alentejo ou nas redondezas do Tejo, a vida suspende-se. Aos quarenta dias contados a partir do domingo de Páscoa é quinta-feira da Ascensão, feriado e dia santo de guarda. Diz-se que é o dia em que mundo pára e que há uma hora em que os pássaros não vão aos ninhos, as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha e o pão não leveda. As pessoas vão aos campos apanhar flores para fazer o ramo que as protegerá o ano inteiro.
Espigas para garantir o pão.
Malmequeres para abonar ouro e prata.
Papoilas para afiançar amor e vida.
Ramos de oliveira para o azeite, a paz e a luz.
Videiras para bom vinho e alegrias.
E alecrim para forças e saúde.
Tudo atado com um cordel e depois guardado atrás da porta à espera do substituto do ano que vem que trará novas bonanças. Assim se cumpre a espiga.
Mas em Lisboa a história é outra.
Não há papoilas nem videiras nos jardins. A espiga chega em carrinhas, já em ramos atados e sai para as ruas em cestos nas mãos de vendedores.
E é vê-los a vender às raparigas esperançosas de um ano próspero e amoroso. E é vê-los a vender às senhoras que desejam pôr comida na mesa de casa todo o ano. E é vê-los a circular pelas mãos das lisboetas como promessas. Pactos que ficam entre a compradora e a espiga. Dois euros e meio de alento. Um alento que se põe atrás da porta e em breve estará seco. Mas não importa. Porque o que conta é a intenção. Durante uma quinta-feira inteira Lisboa fica simples e campesina, de flor na orelha.
Para surtir efeito tem que ser dado. Nem que seja na batota do compras o meu que eu compro o teu com as colegas de trabalho. Que bom que é voltar para casa de ramo de flores do campo na mão, encaixá-lo no prego atrás da porta e sussurrar-lhe quando temos a certeza de que ninguém está por perto: lembra-te sempre do que prometes.