domingo, 15 de novembro de 2020

Dos pesadelos.


 




Levo a mão à cara e apercebo-me de que estou sem máscara no meio da Rua do Carmo. É sábado de manhã. Há muita gente a circular e eu sou a única pessoa de cara descoberta. Filas infinitas à porta das lojas para comprar roupas, sapatos, bugigangas e outros os bens de primeiríssima necessidade, todos a cumprir as normas da DGS, máscara na cara e álcool-gel na mão. Todos, menos eu. Por mais que eu peça, ninguém me empresta uma máscara. Não me deixam entrar em lado nenhum para comprar uma. Todos os dispensadores à porta das lojas estão vazios. Como é que eu vim aqui parar sem estar devidamente apetrechada para cumprir a lei?  Como é que eu saio daqui?

 

 

Fazes os mesmos gestos suaves e tens o mesmo jeito no cabelo, ali no lado esquerdo, por cima da testa, uma espécie de inversão de marcha capilar. Eu, que passei dias a olhar-te pela metade, agora não conheço essa cara, que não foi a que eu criei para ti. Desenhei-te com o meu lápis mental, com outro sorriso, outro queixo e outra expressão de seriedade. O que faço ao outro rosto agora? Aquele que não existe a não ser para mim. Agora já não consigo dizer-te as mesmas coisas que te dizia antes, porque afinal não te conheço. Tiraste a máscara e vi uma face que não era a tua.

 

 

A Selecção Nacional está a perder com a França, mas o silêncio não é por estarmos a roer as unhas em frente ao ecrã da televisão. No centro da cidade não se houve nada. Ninguém regressa a casa na noite calada. Não há passos, nem vozes, nem motores. Recolhemos e estamos atordoados sem saber o que fazer às palavras. Já não queremos usá-las em videochamadas nem em longas conversas telefónicas. Já não há novidade em nada do que está a acontecer. Estamos em normalidade obrigatória.


Dia da Espiga

Todos os anos é uma surpresa. Numa manhã de uma quinta-feira de Maio a convocar Verão e manga-curta, saio à rua e por todo o lado andam pess...