Dos amigos a jantar cá em casa.
Todos encostadinhos uns aos outros. Ombros com ombros, doze pessoas à volta de
uma mesa que só dá para seis. Das cotoveladas sem ter que pedir desculpa. De seres-humanos
devidamente calçados e espalhados em pequenos grupos entre a sala e a cozinha.
Enquanto uns abrem as garrafas, alguém mexe o tacho.
De beber o vinho do teu copo sem
pensar.
De baralhar os copos e provar o
peixe de prato alheio. Com garfo alheio. Das gargalhadas com a boca bem aberta,
daquelas que mostram a dentição quase toda, das exaltações políticas que fazem soltar
gafanhotos, das proximidades dos rostos para segredos e dos abraços espontâneos.
De passar a mão pelos ombros, de sacudir uma pestana ou de limpar uma lágrima na
face de um amigo.
De estender a mão.
De o álcool só servir para assar
chouriças. De precisar de álcool para assar chouriças e não haver cá em casa
porque se evaporou da garrafa esquecida no fundo da prateleira. De beber álcool
sem hora limite, à noite, na rua, no aperto das portas dos bares ou na plateia
de um concerto.
De cheirar a nuca dos bebés e de lhes
repenicar beijinhos nas bochechas.
De não me perturbar com os
abraços nos filmes. De dar o braço e de dar uma mãozinha. De respirar fundo. De
forçar a entrada num elevador cheio de gente. De dar uma espreitadela ao livro
da pessoa que vai ao meu lado no autocarro. De ler nos lábios. De me sentir sozinha
no meio de uma multidão.
De abraçar os meus pais.