domingo, 14 de junho de 2020

Santo António sem Lisboa.



Ai que saudades do cheiro das sardinhas no ar. Ai que são as que sabem melhor, assim deitadas em cima de uma fatia de broa para absorver o molho. Que triste que é este ano não haver cerveja a verter dos copos cambaleantes e xixis furtivos em becos ou entre automóveis, não é?

Pois, para mim, não. Fiz máquinas de roupa sucessivas. Estendi os lençóis na varanda e, quando secaram, continuavam a cheirar a detergente e amaciador e espalhavam campos de flores pela casa. Nada de odores malignos de grelhas a ambientarem os compartimentos. Nada de pivete a urinol aqui na rua, nem copos de plástico na entrada da porta. E a broa, só engorda.

Sentem falta de manjericos cheirosos com quadras populares, das multidões nas ruas estreitas, das luzes dos arraiais e dos balões a dançarem na brisa nocturna?

Pois eu não. Os manjericos são plantinhas fraquinhas e cheias de caprichos: só se podem regar ao luar, só se podem cheirar com a mão e secam ainda antes do mês acabar. Quem não gosta de descer a Bica de aperto em aperto sem poisar os pés no chão? E que dizer daquelas luzes irritantes e frouxas que não permitem distinguir os ébrios dos sóbrios? E os balões amolgados soam a papel engelhado.

Sentem falta das marchas populares? Das cores, das roupas, dos brilhos e das marchinhas a rimar com Lisboa e com o Tejo?

Pois eu não. Horas de espera na Avenida para acabar sempre atrás de alguém muito alto. Infinitas transmissões televisivas e marchantes com coisas estranhas na cabeça e nas saias. A minha marcha é mais linda do que a tua. Não é? Confirmo amanhã no telejornal porque agora não oiço nada.

Sentem falta das barraquinhas, das bancadas mal-amanhadas, das imperiais fresquinhas, de gente alegre, dos bailaricos, de sorrisos abertos pelo álcool, de ruas a transbordar de alegria, do Verão a chegar e modinhas pimba até o sol nascer? Sentem falta de ir com a amiga querida deitar moedas à estátua do Santo António e pedir desejos, de descer da Cerca Moura ao Campo das Cebolas e encontrar amigos a cada passo?

Pois eu não. Eu prefiro um dia igual aos outros. Desbotado, limpo e silencioso. Este tom asséptico que a cidade ganhou só traz aquela beleza triste que apela à escrita de letras de fados. E quem prefere sol e sardinhas a isto? Pois eu não.


 With a little help from my friends.

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